Diálogo: Cultura e modernidade no Brasil (Ruben George Olivien)
– Mundialização e cultura (Renato Ortiz) e A moderna
tradição brasileira (Renato Ortiz)
No Brasil a modernidade é, e sempre foi vista como algo externo,
um padrão a ser seguido, alcançado, muito admirado e almejado, ou pelo contrário,considerada com ressalva e/ou receio tanto
pelas elites tanto pelo povo. Podemos observar no decorrer de nossa “formação” a importação constante de idéias
por parte de nossos intelectuais, que muitas vezes formados na Europa, buscavam utilizar os conceitos, padrões e concepções
apreendidos por lá, aqui, tentando adapta-los a realidade “tupiniquim”.
A modernidade confunde-se muitas vezes com a idéia de contemporaneidade,
visto que aderir a padrões vigentes nos países mais “adiantados” é muitas vezes entendido como moderno porém esquecemos
que contemporaneidade não significa modernidade e sim atualidade, o que é contemporâneo é atual e não necessariamente moderno.O
pensamento dos intelectuais brasileiros tem sido modificado constantemente no que diz respeito a estas questões, por exemplo
em alguns períodos a “cultura brasileira” foi demasiadamente desvalorizada e desmerecida pelas elites, que entendiam
os padrões e concepções europeus como exemplo a ser seguido e almejado, entendida como a única sociedade verdadeiramente civilizada
na época (eurocentrismo), mais recentemente tentamos nos adequar aos padrões norte-americanos.
Contudo nota-se que em determinados períodos, algumas manifestações
da cultura brasileira passam a ser bastante valorizadas, e alguns símbolos nacionais passam a ser exaltados, como por exemplo
o personagem “Macunaíma”, a figura do malandro carioca, o carnaval, o futebol, o samba etc.
Como costumamos aprender nos livros de história do ensino
fundamental “a transferência” da família real, da corte portuguesa para terras brasileiras,fez com que o Brasil
se tornasse sede da monarquia e vice-reino, visto que não poderiam retornar tão cedo para a “metrópole” temendo
o cerco do exercito napoleônico; esta “fuga” da família real melhor dizendo,
acabou contribuindo para que a cidade do Rio de janeiro, onde a corte havia se instalado, obtivesse grande ênfase econômica
e política.
Após a independência do Brasil em 1822 ocorreu a abertura
dos portos ao comercio exterior, o que ocasionou um grande fluxo de comerciantes e viajantes estrangeiros, devido a esse grande
fluxo e principalmente ao estabelecimento da família real na cidade, o Rio de janeiro acabou por tornar-se uma cidade “cosmopolita”
onde a “elite” tentava corresponder ao comportamento europeu considerado até então o mais evoluído, civilizado
e moderno.
O comportamento europeu copiado pela elite da cidade do Rio
de Janeiro diferenciou profundamente a população urbana da população rural e/
ou do campo, não só pelos níveis econômicos, como também pelos padrões culturais, uma vez que a elite adotou o “requinte”,
a “sofisticação” e o arremedo da vida intelectual como forma de “distinção”, sendo assim a vida nas
cidades mais ricas e com mais acesso a cultura européia tornou-se muito diferente da vida no campo em qualquer que fosse a
esfera social, este tipo de imitação comportamental da elite brasileira da época, considerando a cultura européia como superior
e evoluída lembra o conceito da Kultur alemã, aliás de onde veio a concepção de “Cultura” com letra maiúscula
e no singular, que para os mesmos (os alemães) era considerada como a única aceitável e válida, universal.
Em contrapartida alguns intelectuais e uma parcela da elite
começaram a valorizar o que seria verdadeiramente brasileiro do ponto de vista cultural, de acordo com Olivien, isso ocorre
já na segunda metade do século XIX, com base na literatura indianista e chega ao ápice nos romances de José de Alencar, nos
quais eram descritas e valorizadas nossas raízes culturais, contudo a abordagem continuava sendo “copiada”, neste
caso do romantismo europeu, acarretando uma diferenciação entre o mundo real e o mundo das idéias.
Sabemos que a economia brasileira esteve
durante três séculos alicerçada na exploração e no tráfico da mão de obra escrava, o Brasil foi um dos últimos países a abolir
a escravidão, somente em 1888, e mesmo assim por conta da pressão inglesa, além do que, o pensamento abolicionista, como toda doutrina reformadora no Brasil, nasceu do liberalismo
europeu do século XIX, que na Europa contava com o suporte da revolução industrial, a urbanização, o crescimento econômico,
mudanças que foram possíveis pela aplicação da ciência e da tecnologia. No entanto, o liberalismo, no Brasil, surgiu como
resultado de tendências desprovidas do respaldo de qualquer mudança econômica profunda como tudo o que ocorria até então, cópia das idéias e modelos europeus sem verificar se se adequariam as nossas realidades.
As idéias
abolicionistas iam crescendo, umas poucas vozes isoladas tinham protestado pela abolição geral desde o começo do século XIX.
Dentre as vozes isoladas, a mais famosa foi a de José Bonifácio em 1825, logo após a independência do Brasil. Sua proposta,
porém, não foi levada em conta e o tráfico de africanos continuava em grande escala, pois ninguém ousava se opor, até que
a pressão britânica forçasse o seu término em 1850.
Com o suprimento
de escravos cortado, e com as alforrias, apesar do tráfico clandestino permanecer por algum tempo,a população servil aos poucos
foi diminuindo. Dessa forma, há uma certa reorganização interna e a escravatura deixa de ser uma questão política por algum
tempo. A calmaria, entretanto, foi quebrada em 1866, e novamente por pressão externa, neste caso, a pressão veio da França,
no mesmo ano, quando um grupo de abolicionistas franceses apelou ao imperador D. Pedro II solicitando-lhe que exercesse sua
autoridade para acabar com a escravidão. Em resposta ao grupo, o imperador comprometeu-se e esta passa a ser a primeira promessa
formal de abolição de um sistema que vai entrando em falência, cuja derrocada será apenas uma questão de tempo.
O certo é
que os abolicionistas, desde o começo, deveram muito à opinião estrangeira e quando muito, ao menos pelos princípios cristãos
que deveriam nortear um país oficialmente católico pela Constituição de 1824, D. Pedro II era obrigado a responder às pressões
estrangeiras.
Historiadores
e antropólogos tem mostrado que a dinâmica cultural implica um processo de desterritorialização e de reterritorialização,
ou seja idéias, conceitos e práticas que surgem em um determinado espaço acabam “migrando” para outros, encontrando
muitas vezes lugares muito diferentes dos quais estas idéias surgiram e quase sempre impossíveis de adaptá-las, mas mesmo
assim ocorre a tentativa de adaptação, segundo Olivien a dinâmica cultural brasileira é rica justamente por isso, essa capacidade
de “digerir” ou de absorver de forma criativa o que vem de fora reelaborando conceitos e dando-lhes um tipo próprio,
transformando essas idéias e conceitos importados em algo novo, diferente e inusitado, talvez isso ocorra até pelo contato
interétnico acontecido nas terras brasileiras desde o “achamamento”, como diriam os antropólogos ocorrendo o processo
de fricção interétnica, o que ocasionou a todos por aqui uma fácil absorção de “culturas” hábitos e costumes ou
mesmo a imposição dos mesmos como foi o nosso caso, também retrata uma interdependência índio/branco, um poder explicativo especial
por estar voltada para a satisfação de necessidades que não existiam antes do contato interétnico. Satisfeitas estas necessidades,
o grupo indígena fica preso a sociedade tecnicamente mais poderosa; esta, por sua vez, tendo investido seus recursos nos territórios
indígenas, deles também não pode abrir mão, tanto para o colonizador como para o colonizado existe a necessidade de convivência harmônica, no caso do
negro é diferente pois, este foi arrancado de sua terra e sofreu um processo de desafricanização e desumanização sendo obrigado
a submeter-se a autoridade do “senhor” aderir a sua religião dentre outras imposições, além da conseqüente dependência
após a abolição, talvez estes sejam alguns dos motivos iniciais para esta fácil “digestão” somos um povo resultante
da mistura de vários outros, fruto da miscigenação, logo convivemos desde nossa “formação” com idéias, concepções
e culturas diferenciadas.
Esse processo
de captação e de reelaboração acontece aqui no Brasil em vários momentos, como cita olivien, em 1888 a abolição, as idéias
liberais e pressões européias, em 1889 os militares e políticos que proclamaram a republica que estavam completamente tomados
pela ideologia positivista, uma corrente concebida na França por Auguste Comte, e que por mais incrível que pareça obteve
maior êxito por aqui do que em seu país de origem.
Tão forte
foi essa influência que até hoje podemos observa-la em nossa arquitetura, a chamada arquitetura positivista nos prédios que
a elite, os donos do poder durante este período mandaram construir, por exemplo no Rio de Janeiro e em Porto Alegre ainda
existem diversas construções positivistas, também podemos observar essa forte influência nas inscrições contidas em nossa
bandeira nacional “ordem e progresso” princípios positivistas, onde observamos a centralidade de Auguste Comte
e de sua corrente.
Para uma
parcela da elite brasileira o positivismo era uma ideologia que vislumbrava a modernidade justificando assim os meios autoritários
para alcança-la, sendo assim o positivismo foi durante muito tempo uma forma
de o Brasil se modernizar em relação à Europa e também um artifício utilizado para “civilizarem” os índios. Provem
do período da república velha a intenção de intelectuais pensarem o Brasil e discutirem a viabilidade de haver uma “civilização” nos trópicos, pois existiam na visão deles dois obstáculos: a raça e o clima.
Alguns intelectuais
como Nina Rodrigues, Euclides da Cunha, Oliveira Vianna etc estavam preocupados em explicar a sociedade brasileira a partir
da interação de raça (ou fricção interétnica) e do meio geográfico, eram intelectuais pessimistas e preconceituosos, como
ressalva Olivien, caracterizavam o próprio brasileiro a época como apático e indolente e a intelectualidade brasileira como
destituída de filosofia e cientificidade e contaminada de um lirismo subjetivista e mórbido, pensando no embranquecimento
da população como a única solução, e assim ocorre a vinda dos imigrantes na maioria italianos pra trabalharem nas lavouras
de café.
Olivien cita
Renato Ortiz em seu texto ao falar sobre o mito da democracia racial, iniciado por Gilberto Freyre, quando Ortiz ressalta
que a ideologia da “democracia racial” é tão forte no Brasil que permeia parte do pensamento sociológico e o senso
comum brasileiro.
Em 1922 o
Brasil completou apenas 100 anos de sua independência de Portugal e até então não existiam partidos nacionais, apenas regionais,
é então quando surge o primeiro partido nacional , o partido comunista do Brasil, no mesmo período o ocorreu a primeira revolta
tenentista e a semana modernista em São Paulo. O movimento modernista representou um divisor de águas, por um lado significou
a reatualização do Brasil em relação aos movimentos culturais e artísticos que estavam ocorrendo no exterior e por outro lado
implicou também na busca de raízes nacionais, valorizando assim o que havia de mais autêntico no Brasil, dentre as contribuições
deste movimento estão além da atualização artística e cultural de uma sociedade subdesenvolvida a problemática da nacionalidade
é posta em evidência.
A partir
de 1924, segunda parte do movimento modernista, o anterior ataque ao “passadismo” foi substituído pela ênfase
na elaboração de uma cultura nacional, ocorrendo uma espécie de redescoberta do Brasil, pelos brasileiros, os modernistas
recusaram o regionalismo proposto por Freyre, porque acreditavam que era através do nacionalismo que se chegava ao universal.
Em 1928,
Oswald de Andrade, um dos principais expoentes do movimento modernista lançou o “manifesto antropófago”, onde
era proposta uma modernidade brasileira que se caracterizava por saber deglutir criativamente o que vem de fora, Andrade argumentou
que os brasileiros se dedicaram a esta “prática” desde o começo de sua história.
Em 1926 foi
lançado o “manifesto regionalista” de Gilberto Freyre, que tem um sentido inverso ao movimento iniciado em 1922,
pois se trata de um movimento que não atualizava a cultura brasileira em relação ao exterior, mas que deseja preservar a tradição
em geral e mais especificamente a de uma região economicamente atrasada , o Nordeste, o manifesto regionalista desenvolveu
dois temas interligados: a defesa da região enquanto unidade de organização nacional e a conservação dos valores regionais
e tradicionais do Brasil em geral e do nordeste em particular.
A necessidade
de se reorganizar o Brasil foi o primeiro tema central do manifesto regionalista e uma preocupação constante dos pensadores
do fim do século XIX e começo do século XX, decorreria do fato de ele sofrer, desde que “se tornou nação”,as conseqüências
maléficas dos modelos estrangeiros que lhes eram impostos sem levar-se em consideração suas peculiaridades e sua diversidade
física e social.
Os modelos
e os padrões importados, incompatíveis e inconciliáveis com nossas peculiaridades, justificam a formulação de um sistema alternativo
de organização do Brasil.Gilberto Freyre afirmou que o único modo de ser nacional no Brasil é antes sendo regional, chegando
a uma conclusão semelhante a dos modernistas, pois estes em sua segunda fase do movimento entenderam que a única maneira de
ser universal é antes ser nacional.Contudo a forma de abordagem de Freyre é diferente dos modernistas, pois não está alicerçada
em uma atualização cultural através de valores modernos vindos do exterior, ao contrário, critica os malefícios do progresso e da importação de costumes e valores estrangeiros.
Olivien cita
novamente Renato Ortiz, quando o mesmo afirma que : “a posição de Freyre se aproxima muito da visão dos românticos que
se ocuparam da cultura popular na Europa no século passado e para os quais a autenticidade contida nas manifestações populares
constituiria a essência do tradicional”.
A reação
de Freyre é de cunho tradicionalista e assemelha-se a reação aristocrática diante das mudanças decorrentes da urbanização
e da industrialização, e que estavam fechadas em uma critica a perda de valores comunitários e da pureza cultural, que supostamente
teriam existido no passado.
O Brasil
continua discutindo a formulação de modelos para organizar a nação, e esse debate acaba inevitavelmente passando pela discussão
do que é nacional de fato e o que é estrangeiro, o país continua girando em torno
da questão da identidade nacional ,que é reposta e reatualizada a medida que novos contextos são criados.
Durante muito
tempo o Brasil teve uma população majoritariamente rural, isto fez com que muitos pensadores considerassem que o país tivesse
uma vocação agrária como foi o caso de oliveira Vianna, inclusive alguns políticos compartilhavam do mesmo pensamento até
as primeiras décadas do século XX como por exemplo Julio Prestes, adversário de Getúlio Vargas nas eleições presidenciais
que acabaram sendo pretexto para a revolução de 1930.
Getúlio Vargas
possuía um discurso muito diferente de seu adversário menos bucólico e mais, digamos ”moderno”, o Brasil experimentou
importantes transformações começando pela republica velha e assumindo uma dimensão mais abrangente na republica nova a partir
de 1930, estas transformações corresponderam a criação de uma indústria de substituição de bens não duráveis, ao crescimento
das cidades, a crise do café, a crise do sistema baseado entre combinações políticas entre as oligarquias agrárias cafeeiras
ou seja a famosa política do café com leite, a política dos governadores, e ao surgimento das revoltas sociais militares que
começaram na década de 1920 atingindo o ápice com a revolução de 1930.
Foi a partir
desse período que se criou um aparelho de estado mais centralizado, deslocando o poder do âmbito regional para o nacional,
causando uma serie de mudanças, a partir desta época foi preciso repensar o Brasil, pois o país havia experimentado um processo
de consolidação política e econômica e teria de enfrentar as conseqüências da crise econômica de 1929 e da segunda guerra
mundial.O nacionalismo ganhou ousadia e o estado se firmou, o estado tomou para si a tarefa de “construir a nação”,
essa tendência acentuou-se muito com a implantação da ditadura do estado novo de 1937 à 1945, quando os governadores eleitos
foram substituídos por interventores e as chamadas milícias estaduais perderam a força, aumentando a centralização política
e administrativa. Na esfera cultural e ideológica ocorreu a proibição do ensino de línguas estrangeiras e a introdução da
disciplina “moral e cívica” nos currículos escolares, além da criação do departamento de imprensa e propaganda
que tinha a seu cargo a censura e a exaltação das virtudes do trabalho.
No final
da segunda guerra mundial terminou o estado novo e foi eleita uma assembléia nacional constituinte que tinha a tarefa de pensar
um novo modelo de organização administrativa e política. A construção de rodovias e a abolição da autonomia dos estados ajudaram
na unificação do mercado interno e na diminuição do poder das oligarquias locais, com todas estas transformações a migração
campo-cidade aumentou, criando um novo protagonista no cenário político: as massas urbanas que seriam interpeladas como agentes
sociais pelo populismo.
A problemática
do nacional e do estrangeiro continuou sendo uma constante na vida política do Brasil, nesse período que vai de 1946 à 1964
a questão nacional foi retomada com intensos debates, dos quais o ISEB e o CPC foram exemplos claros. Os intelectuais brasileiros
foram acusados de colonizadores e que teriam contribuído para a criação de uma cultura alienada, resultado de nossa situação
de dependência, os temas do progresso e da modernidade também eram freqüentes neste período, vencer a condição de subdesenvolvimento
era o objetivo, do qual a indústria era um elemento chave, surgiram então industrias de substituição de importação de bens
duráveis, aumentando a dependência em relação ao capital estrangeiro, foram criados órgãos como a SUDENE, cuja finalidade
especifica era reduzir as desigualdades regionais, das quais o nordeste era considerado o exemplo mais significativo.
A inauguração
de Brasília em 1960 proporcionou uma marcha para o oeste e conseqüentemente a integração territorial, ocasionou debates entusiasmados
que giravam em tono da necessidade de se gastar tanto dinheiro para sua realização e do atrevimento de sua arquitetura considerada
muito moderna e avançada, em 1964 com o golpe militar houve uma crescente centralização política, econômica e administrativa,através
da integração do mercado nacional, da inauguração de redes de estradas,de telefonia, de comunicação de massa, da concentração
de tributos no âmbito federal, do controle das forças militares estaduais pelo exército e da intervenção política estadual.O
novo Regime levou a acumulação de capital a patamares mais elevados, o que foi feito em associação com o capital estrangeiro,
o Brasil passou por um processo de desenvolvimento desigual e combinado, como afirma Olivien, criando um quadro em que há
simultaneamente uma situação de miséria extrema e elementos de progresso e de modernidade.
Surge o movimento
do tropicalismo, em 1968, este movimento mostrou que a realidade brasileira havia mudado muito, o tropicalismo se propôs a
ser por um lado uma ruptura estética e ideológica, e por outro lado uma retomada dos temas suscitados pelo movimento modernista
de 1922, do ponto de vista estético esta ruptura ocorreu por meio da introdução de instrumentos musicais como a guitarra e
pela criação de ritmos dissonantes, já do ponto de vista ideológico a ruptura se deu pela valorização da televisão como meio
de expressão e pelo fato de as letras cantarem um Brasil em que havia aviões
no ar e crianças descalças na terra, ou seja, estas músicas mostravam os contrastes existentes no país, mostravam que o moderno
estava cada vez mais se articulando com o atrasado.
A continuidade
do tropicalismo ocorreu por sua ligação com o movimento modernista e com os temas que este suscitou, neste período o debate
entre o nacional e o regional continuou, porém de uma forma diferente, se adequando
ao novo contexto; e novamente o estado convocava para si o papel de ser o criador da identidade nacional, responsável simultaneamente
por promover o progresso e manter acesa a memória nacional, porém não seria contraditório o fato de este mesmo estado ter
propiciado uma intensa desnacionalização da economia? Uma vez que como coloca o autor essas duas questões estão vinculadas?.
Com a luta
pela redemocratização do país e com o processo de abertura política que marcaram o fim do ciclo militar (1985), velhas questões
vem a tona novamente, observam-se tendências contrárias a centralização, que se manifestam através da ênfase da necessidade
de um verdadeiro federalismo, da proclamação das vantagens de uma descentralização administrativa, do brado por uma reforma
tributária que entregue mais recursos para os estados e municípios e da afirmação de identidades regionais que salientem suas
diferenças em relação ao resto do Brasil.
A afirmação
das identidades regionais do Brasil pode ser encarada como forma de salientar diferenças culturais e como reação a uma tentativa
de homogeneização cultural, esta redescoberta das diferenças na atualidade da questão da federação, em uma época em que o
país se encontrava bastante integrado do ponto de vista político, econômico e cultural, sugerem que no Brasil , o nacional
passa primeiro pelo regional como sugeria Freyre.
De acordo
com Olivien, o que se observou no Brasil a partir de sua redemocratização, foram o intenso processo de constituição de novos
atores políticos e a construção de novas identidades sociais, incluindo-se a identidade etária, a identidade de gênero, as
identidades religiosas, as identidades regionais, as identidades étnicas, mais recentemente as identidades sexuais etc, porém
acredito eu, que este processo de surgimento de novas identidades está intrinsecamente relacionado com a condição pós-moderna
que valoriza o individualismo, as questões reivindicadas pelas minorias, a necessidade de sentir-se especial em meio a um
mundo onde aparentemente as fronteiras diminuíram, pelo menos as culturais ,mais as econômicas continuam gigantescas, a ausência
de ideais e de valorização pessoal, a colagem de estilos passados adaptados ao novo etc.
O advento
do fenômeno da globalização tornou a interação do Brasil com o resto do mundo multifacetada, o padrão de trocas entre diferentes
países é desigual e depende de suas posições no contexto econômico – político mundial. Se durante muito tempo o país
recebia imigrantes e importava mercadorias manufaturadas e produtos da industria cultural, a situação mudou, hoje milhões
de brasileiros vivem no exterior com o mesmo objetivo dos imigrantes do inicio do século XX que viveram para terras brasileiras
em busca de melhores condições de vida, pois por aqui a situação é de desigualdade e disparidade, muito embora saibamos que
estamos vivendo uma crise econômica mundial , mas logicamente os países periféricos subdesenvolvidos ou no caso do Brasil
como prefere dizer nosso presidente ”em desenvolvimento” sofrem mais
as conseqüências desta crise devido a política neoliberal e a construção de nossa economia dependente desde a formação da
nação.
Um dos aspectos
centrais do projeto da modernidade sempre foi o da emancipação humana, se a modernidade técnica não estiver a serviço do bem
estar social e da conquista da cidadania plena, ela perde o sentido, justo porque o que caracteriza o Brasil é esta contradição
gritante entre uma crescente modernidade tecnológica e a não realização de mudanças sociais que propiciem o acesso da maioria
da população aos benefícios do progresso material.
No Brasil
existe uma tradição de valorização do trabalho, mais especificamente o manual, quer dizer “valorização” para a
classe subalterna e subserviente, a oligarquia cafeeira teria sido a responsável pela criação da frase “o trabalho dignifica
o homem” como o objetivo de controlar e passar a falsa idéia de valorização dos trabalhadores, aqui uma expressão racista
definia o trabalho braçal, duro : “trabalho para negro”, mesmo depois da abolição e do surgimento do trabalho
assalariado, o “trabalho” nunca foi valorizado verdadeiramente, porque a ordem social continuou sendo excludente.
O Brasil é hoje uma sociedade de imensas desigualdades sociais, econômicas, ao contrário dos outros países que passaram por
processos de urbanização e industrialização, o Brasil nunca mexeu em sua estrutura fundiária, de latifúndios freqüentemente
improdutivos e ainda não realizou de fato a sua reforma agrária.O Brasil é um país que experimentou uma modernização conservadora
em que o tradicional se combinou como moderno, a mudança se articulou com a continuidade
e o progresso convive com a miséria.
A modernização
em geral esta associada ao individualismo que substituiria gradativamente as relações mais pessoais das sociedades tradicionais,
o Brasil segue um caminho bastante diverso; há uma ordem jurídica que coloca o Brasil ao lado de outras nações que adotaram
o ideário individualista e liberal, o que se traduz inclusive no grande número de leis e regulamentos que existem no país.
Porém, o Brasil é uma sociedade em que as relações pessoais continuam sendo extremamente importantes (daMatta in Olivien)
e por imediato, existe a combinação de uma organização burocrática, formal e individualista da vida social com uma forma pessoalizada
e informal de resolver os problemas que a própria modernidade coloca no dia-a-dia.Isto coloca a questão de saber como o Brasil
conciliará as características associadas a modernidade com o seu modo peculiar de ser.
Ao lermos
o texto de olivien somos remetidos a Renato Ortiz em mundialização e cultura e a moderna tradição brasileira, quando o mesmo
nos lembra que se deve associar o desenvolvimento histórico da nação ao da modernidade, o primeiro se realiza através do segundo
concebendo a nação e a modernidade como etapas do processo de desenraizamento e desterritorialização contemporaneamente desembocado
na realidade qualitativamente nova contida nas noções de sociedade global e de mundialização da cultura.
Em a moderna
tradição brasileira Ortiz procura mostrar como a questão da identidade se encontra relacionada ao problema da cultura popular e a questão do estado, já que falar em cultura brasileira é discutir os destinos políticos
do país, como vimos anteriormente no texto de Olivien. Duas condições guiaram o pensamento intelectual sobre o nacional –
popular, a primeira está relacionada aos estudos e preocupações folclóricas tomadas enquanto manifestações culturais das classes
populares, este pensamento está atrelado a questão nacional na medida em que as tradições populares encarnam o que seria o
espírito de um povo; a descoberta das manifestações da cultura popular permitiria a identificação e a construção da identidade
nacional.
A segunda
tradição liga cultura popular a questão política, ou seja , a cultura se transforma em ação política junto as classes populares,
diferentes grupos ideológicos procuraram criar, através da cultura popular, uma consciência critica dos problemas sociais,
visando a constituição do povo-nação, tanto a versão tradicional como a politizadora relacionam cultura popular com a expressão
da nação no primeiro caso tentando preservá-la no segundo utilizando-a como base de transformação social.
A questão
nacional tem sido assim o denominador comum de todos os autores independentemente de seus posicionamentos, do estado novo
passando pelo ISEB, pelos CPCs e pelo método de alfabetização de Paulo Freire, os intelectuais estiveram discutindo a construção
de uma identidade nacional, e enquanto esta tem sido o eixo do debate intelectual juntamente com a questão da modernidade,
houve um grande silêncio sobre a constituição de uma cultura de massa, assim como sobre o relacionamento entre a produção
cultural e o mercado. Tomando Florestan Fernandes como referência, Ortiz vai assumir
a perspectiva de que "a burguesia não possui na periferia o papel civilizador que desempenhou na Europa". Nos países de periferia,
e conseqüentemente no Brasil, houve uma defasagem entre os níveis de modernidade, "defasagem entre modernização aparente e
a realidade". O conceito de modernismo "antecipa" uma realidade que de fato não estaria acontecendo. E neste sentido "a noção
de modernidade está 'fora do lugar' na medida em que o Modernismo ocorre no Brasil sem modernização" (p. 32). Haveria então
uma "inadequação de certos conceitos aos tempos em que são enunciados". Ortiz vai considerar que o modernismo de países periféricos
"é forçado a se construir sobre fantasmas e sonhos de modernidade" (p. 34). Como nos países de periferia o desejo de modernidade
se antecipa à realidade, a modernidade passa a estar ligada à construção da identidade nacional. Assim se configura a concepção
de que só seremos modernos se formos nacionais, idéia que no Brasil toma forma em meados dos anos de 1920 com o movimento
modernista como vimos no texto de Olivien e que guia todas as tentativas de construção da nação através da cultura ou da atuação
do Estado. Ortiz complementa observando que no Brasil a modernidade acabou sendo assumida como um valor em si, sem ser questionada.
É preciso também não esquecer que esta concepção se origina, no contexto alemão, já que no
século XVIII e parte do XIX a Alemanha era um país atrasado, pelo menos em termos políticos, uma vez que não tinha realizado
sua unificação. Exceto o caso inglês, com sua revolução industrial, e francês, com sua revolução política, os demais países
da Europa foram em alguma medida periferia. Cabe então perguntar se a burguesia dos outros países europeus teria ou não desempenhado
um papel civilizador. A burguesia vienense em torno de 1900 foi ou não civilizadora? De outro lado, se "idéias fora de lugar"
são projetos, todas as idéias estiveram fora de lugar por algum tempo. Todas as utopias, no sentido de Karl Mannheim, são idéias "fora de lugar", ou melhor, fora de tempo, já que, creio, a metáfora temporal
preenche melhor esta imagem. Em que situações a modernidade foi projeto e , depois se tornou realidade, e em que situações ela só se realizou em parte ou não se realizou?
No Brasil, a modernidade enquanto projeto
de industrialização parece ser a versão vencedora, embora também tenhamos tido outros projetos de modernidade: Alberto Torres
propunha um Brasil agrícola, rural e moderno, isto durante a Primeira República. Se a versão vencedora acabou sendo mesmo
aquela que pratica a industrialização, ou melhor, a urbanização, como padrão de modernidade, cabe perguntar: como e por que
os intelectuais nos anos de 1960 não refletiram sobre ela precisamente quando uma de suas faces nos chegava através da indústria
cultural? Talvez seja o compromisso entre modernidade e construção de identidade nacional o que tenha impedido os intelectuais
de ver os aspectos da modernidade que ultrapassavam o espaço social da nação.