Poemas Favoritos:
ADEUS
Adeus! e para sempre embora,
Que seja
para nunca mais:
Sei teu rancor - mas contra ti
Não me rebelarei jamais.
Visses nu meu peito, onde a fronte
Tu
descansavas mansamente
E te tomava um calmo sono
Que perderás completamente:
Que cada fundo pensamento
No coração
pudesses ver!
Que estava mal deixá-lo assim
Por fim virias a saber.
Louve-te o mundo por teu ato,
Sorria
ele ante a ação feia:
Esse louvor deve ofender-te,
Pois funda-se na dor alheia.
Desfigurassem-me defeitos:
Mão não havia
menos dura
Que a de quem antes me abraçava
Que me ferisse assim sem cura?
Não te iludas contudo: o amor
Pode afundar-se
devagar;
Porém não pode corações
Um golpe súbito apartar.
O teu retém a sua vida,
E o meu, também,
bata sangrando;
E a eterna idéia que me aflige
É que nos vermos não tem quando.
Digo palavras de tristeza
Maior que
os mortos lastimar;
Hão de as manhãs, pois viveremos,
De um leito viúvo despertar.
E ao achares consolo, quando
A nossa
filha balbuciar,
Ensina-la-ás a dizer "Pai",
Se o meu desvelo vai faltar?
Quando as mãozinhas te apertarem
E ela
teu lábio -houver beijado,
Pensa em mim, que te bendirei
Teu amor ter-me-ia abençoado.
Se parecerem os seus traços
Com os de
quem podes não mais ver,
Teu coração pulsará suave,
E fiel a mim há de tremer.
Talvez conheças minhas faltas,
Minha
loucura ninguém sabe;
Minha esperança, aonde tu vás,
Murcha, mas vai, que ela em ti cabe.
Abalou-se o que sinto; o orgulho,
Que
o mundo não pôde curvar,
Curvou-se a ti: se a abandonaste,
Minha alma vejo-a a me deixar.
Tudo acabou - é vão falar -,
Mais vão
ainda o que eu disser;
Mas forçam rumo os pensamentos
Que não podemos empecer.
Adeus! assim de ti afastado,
Cada laço
estreito a perder,
O coração só e murcho e seco,
Mais que isto mal posso morrer.
( Lord Byron)
Sol dos Insones
Sol dos insones! Ó astro de melancolia!
Arde
teu raio em pranto, longe a tremular,
E expões a treva que não podes dissipar:
Que semelhante és à lembrança da alegria!
Assim raia o passado, a luz de tanto dia,
Que
brilha sem com raios fracos aquecer;
Noturna, uma tristeza vela para ver,
Distinta mas distante-clara-mas que fria!
(Lord Byron)
Operário em construção
Era ele que
erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as asas
Que lhe brotavam da mão.
Mas
tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem
religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.
De fato
como podia
Um operário em construção
Compreender porque um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com
pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com
cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão
de que sofreria
Não fosse eventualmente
Um operário em construcão.
Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que
o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi
tomado
De uma subita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
- Garrafa, prato, facão
Era ele
quem fazia
Ele, um humilde operário
Um operário em construção.
Olhou em torno: a gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro,
parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário
Um
operário que sabia
Exercer a profissão.
Ah, homens de pensamento
Nao sabereis nunca o quanto
Aquele humilde
operário
Soube naquele momento
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer
suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua propria mão
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E
olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.
Foi
dentro dessa compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário
Cresceu em
alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele nao cresceu em vão
Pois além do que sabia
-
Excercer a profissão -
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.
E um fato novo se viu
Que
a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava.
E foi assim que o operário
Do edificio em construção
Que
sempre dizia "sim"
Começou a dizer "não"
E aprendeu a notar coisas
A que nao dava atenção:
Notou que sua marmita
Era
o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uisque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que
o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza
do seu dia
Era a noite do patrão
Que sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.
E o operário disse: Não!
E
o operário fez-se forte
Na sua resolução
Como era de se esperar
As bocas da delação
Comecaram a dizer coisas
Aos
ouvidos do patrão
Mas o patrão não queria
Nenhuma preocupação.
- "Convençam-no" do contrário
Disse ele sobre o
operário
E ao dizer isto sorria.
Dia seguinte o operário
Ao sair da construção
Viu-se súbito cercado
Dos
homens da delação
E sofreu por destinado
Sua primeira agressão
Teve seu rosto cuspido
Teve seu braço quebrado
Mas
quando foi perguntado
O operário disse: Não!
Em vão sofrera o operário
Sua primeira agressão
Muitas outras
seguiram
Muitas outras seguirão
Porém, por imprescindível
Ao edificio em construção
Seu trabalho prosseguia
E
todo o seu sofrimento
Misturava-se ao cimento
Da construção que crescia.
Sentindo que a violência
Não dobraria
o operário
Um dia tentou o patrão
Dobrá-lo de modo contrário
De sorte que o foi levando
Ao alto da construção
E
num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
- Dar-te-ei
todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te
tempo de mulher
Portanto, tudo o que ver
Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer
não.
Disse e fitou o operário
Que olhava e refletia
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria
O operário
via casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro do
seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
E o operário disse: Não!
-
Loucura! - gritou o patrão
Nao vês o que te dou eu?
- Mentira! - disse o operário
Não podes dar-me o que é meu.
E
um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martirios
Um silêncio de prisão.
Um silêncio povoado
De
pedidos de perdão
Um silêncio apavorado
Com o medo em solidão
Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um
silêncio de fraturas
A se arrastarem no chão
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que
morreram
Por outros que viverão
Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se
a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construido
O operário em construção (
Vinícius de Moraes)
Soneto da separação
De repente do
riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se
o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E
do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E
de sozinho o que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente,
não mais que de repente.( Vinícius de Moraes)
Soneto de Fidelidade
De tudo ao
meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante
mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso
e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte,
angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja
imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.( Vinícius de Moraes)
O
bicho
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma
coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não
era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.(Manoel Bandeira)
Destruição
Os amantes se amam cruelmente
e com se amarem tanto não se vêem.
Um se beija no outro, refletido.
Dois amantes que são? Dois inimigos.
Amantes
são meninos estragados
pelo mimo de amar: e não percebem
quanto se pulverizam no enlaçar-se,
e como o que era
mundo volve a nada.
Nada. Ninguém. Amor, puro fantasma
que os passeia de leve, assim a cobra
se imprime na
lembrança de seu trilho.
E eles quedam mordidos para sempre.
deixaram de existir, mas o existido
continua
a doer eternamente. (Carlos Drumond de Andrade)
No meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha
uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na
vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra
no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.( Carlos Drumond de Andrade)
Mundo grande
Não, meu coração não é maior que o mundo.
É
muito menor.
Nele não cabem nem as minhas dores.
Por isso gosto tanto de me contar.
Por isso me dispo,
por isso
me grito,
por isso freqüento os jornais, me exponho cruamente nas livrarias:
preciso de todos.
Sim, meu coração é muito pequeno.
Só
agora vejo que nele não cabem os homens.
Os homens estão cá fora, estão na rua.
A rua é enorme. Maior, muito maior do
que eu esperava.
Mas também a rua não cabe todos os homens.
A rua é menor que o mundo.
O mundo é grande.
Tu sabes como é grande o mundo.
Conheces
os navios que levam petróleo e livros, carne e algodão.
Viste as diferentes cores dos homens,
as diferentes dores dos
homens,
sabes como é difícil sofrer tudo isso, amontoar tudo isso
num só peito de homem... sem que ele estale.
Fecha os olhos e esquece.
Escuta a água
nos vidros,
tão calma, não anuncia nada.
Entretanto escorre nas mãos,
tão calma! Vai inundando tudo...
Renascerão
as cidades submersas?
Os homens submersos – voltarão?
Meu coração não sabe.
Estúpido, ridículo
e frágil é meu coração.
Só agora descubro
como é triste ignorar certas coisas.
(Na solidão de indivíduo
desaprendi
a linguagem
com que homens se comunicam.)
Outrora escutei os anjos,
as sonatas,
os poemas, as confissões patéticas.
Nunca escutei voz de gente.
Em verdade sou muito pobre.